19 de outubro de 2018

O Retorno do Rei

A Sombra dos exércitos do senhor do escuro cresce cada vez mais. Homens, Anões e Elfos unem-se para luta contra a escuridão. Enquanto isso, Frodo e Sam penetram na terra de Mordor, em sua empreitada heroica para destruir o anel.

Livro V

Capítulo I - Minas Tirith
Capítulo II - A passagem da Companhia Cinzenta
Capítulo III - A concentração das tropas de Rohan
Capítulo IV - O cerco de Gondor
Capítulo V - A cavalgada dos Rohirrim
Capítulo VI - A batalha dos Campos de Pelennor
Capítulo VII - A pira de Denethor
Capítulo VIII - As Casas de Cura
Capítulo IX - O último debate
Capítulo X - O Portão Negro se abre


Livro VI

Capítulo I - A Torre de Cirith Ungol
Capítulo II - A Terra da Sombra
Capítulo III - A Montanha da Perdição
Capítulo IV - O Campo de Cormallen
Capítulo V - O Regente e o Rei
Capítulo VI - Muitas despedidas
Capítulo VII - A caminho de casa
Capítulo VIII - O expurgo do Condado
Capítulo IX - Os Portos Cinzentos

Apêndices
Apêndice A
Apêndice B
Apêndice C
Apêndice D
Apêndice E
Apêndice F

Capítulo X - As escolhas de Mestre Samwise

Frodo jazia no chão com o rosto para cima e aquela criatura monstruosa se debruçava sobre ele, tão concentrada em sua vítima que não se deu conta de Sam e de seus gritos até que ele estivesse bem próximo. Quando Sam veio correndo na direção deles, viu que Frodo já estava preso por cordas passadas em torno de seu corpo, dos tornozelos até os ombros, e Laracna, com suas grandes patas dianteiras, começava a erguê-lo e arrastá-lo dali.
Perto de Frodo jazia, luzindo no chão, a espada élfica, no local onde caíra inútil de sua mão. Sam não parou para pensar no que se deveria fazer, se estava sendo corajoso ou leal, ou se estava possesso de raiva. Deu um salto à frente e gritou, agarrando a espada de seu mestre com a mão esquerda.
Então avançou. Nunca se vira um ataque tão violento no mundo selvagem dos animais, no qual uma pequena criatura, armada apenas com minúsculos dentes, é capaz de saltar sobre uma torre de chifres e carapaça que pisa sobre seu companheiro caído.
Perturbada, como se tivesse sido despertada de algum sonho de volúpia pelo pequeno grito do hobbit, lentamente voltou a malícia apavorante de seu olhar na direção dele. Mas quase antes de ela perceber que avançava sobre ela uma fúria maior do que qualquer outra provada em anos incontáveis, a espada brilhante golpeou sua pata e decepou a garra. Sam saltou para dentro dos arcos de suas pernas, e com um rápido impulso de sua outra mão desferiu um golpe contra o aglomerado de olhos na cabeça abaixada. Um grande olho escureceu.
Agora a infeliz criatura estava bem debaixo dela, no momento longe do alcance de seu ferrão e suas garras. Sua vasta barriga estava sobre Sam com sua luz pútrida, e o mau cheiro que vinha dela quase o derrubou. Mas ainda lhe restava fúria para mais um golpe, e antes que ela pudesse cair com o corpo sobre ele, sufocando-o com toda a sua pequena coragem atrevida, ele, num esforço desesperado, rasgou-lhe um talho no corpo com a reluzente espada élfica. Mas Laracna não era como os dragões, e não tinha nenhum outro ponto frágil a não ser os olhos. Calombosa, esburacada e corrompida era a sua carapaça antiga como a eternidade, mas sua espessura era sempre alimentada de dentro para fora, formando camada sobre camada de excrescência maligna. A lâmina fez um talho horroroso, mas aquelas dobras hediondas não podiam ser perfuradas pela força humana, nem mesmo se elfos ou anões forjassem o aço, nem se a mão de Beren ou de Túrin o brandissem. Ela recuou quando golpeada, e então ergueu a enorme bolsa de sua barriga bem acima da cabeça de Sam. O veneno espumava e borbulhava do ferimento. Abrindo agora as pernas, ela fez seu enorme peso cair sobre ele outra vez. Cedo demais. Pois Sam ainda estava de pé e, deixando cair sua própria espada, segurou com as duas mãos a espada élfica com a ponta para cima, afastando aquele teto horrível; e assim Laracna, com o impulso de sua própria disposição maligna, num esforço maior que o da mão de qualquer guerreiro, jogou-se sobre um cravo cruel. A espada foi penetrando cada vez mais fundo, enquanto Sam era lentamente prensado contra o chão.
Laracna jamais conhecera tal aflição, nem sonhara conhecer, em todo o seu vasto mundo de maldades. Nem o soldado mais valente da antiga Gondor, nem o orc mais selvagem preso numa armadilha, jamais lhe tinham resistido daquela maneira, ou enfiado uma lâmina em sua amada carne. Um tremor percorreu-lhe o corpo. Erguendo-se de novo, num repelão violento devido à dor, encolheu sob o corpo as pernas contorcidas e pulou para trás num salto convulsivo. Sam caíra de joelhos ao lado da cabeça de Frodo, os sentidos confusos devido ao terrível fedor, as duas mãos ainda agarrando o punho da espada. Apesar da névoa diante de seus olhos, ele percebia vagamente o rosto de Frodo, e tenazmente lutava para se controlar e se libertar do desfalecimento que o ameaçava. Lentamente ergueu a cabeça e a viu, apenas a alguns passos de distância, fitando-o, a boca emporcalhada por um cuspe venenoso, e um líquido esverdeado escorrendo de seu olho ferido. Estava agachada, com a barriga trêmula estatelada sobre o chão, os grandes arcos das pernas tremendo, enquanto reunia forças para um outro salto — desta vez para esmagar e ferroar até a morte: nada de pequenas picadas venenosas para acalmar a luta de sua comida; desta vez para matar e depois estraçalhar. No momento em que o próprio Sam se agachava, olhando para ela, enxergando sua morte naqueles olhos, um pensamento lhe ocorreu, como se alguma voz remota lhe tivesse falado, e ele tateou o peito com a mão esquerda e encontrou o que procurava: frio, duro e sólido pareceu-lhe ao tato, naquele mundo fantasmagórico de horror, o Frasco de Galadriel.
— Galadriel! — disse ele numa voz sumida, e então ouviu vozes distantes mas nítidas: o clamor dos elfos andando sob as estrelas nas amadas sombras do Condado, e a música dos elfos como lhe chegara em sonhos no Salão de Fogo da casa de Elrond.
Então sua língua se soltou e sua voz gritou numa língua desconhecida:

Gilthoniel! A Elbereth!
A Elbereth Gilthoniel
o menel palan-diriel,
le nal on si di’nguruthos!
A tiro nin, Fanuilos!

Com isso levantou-se cambaleando e outra vez era Samwise, o hobbit, filho de Hamfast.
— Agora venha, sua nojenta! — gritou ele. — Você machucou meu mestre, sua bruta, e vai pagar por isso. Nós vamos seguir em frente, mas primeiro vamos acertar as contas com você. Venha, e experimente isso de novo!
Como se o espírito indomável do hobbit tivesse colocado sua força em ação, o cristal se acendeu de repente como uma tocha branca em sua mão. Queimava como uma estrela que, saltando do firmamento, corta o ar escuro com uma luz intolerável. Nenhum terror igual vindo do céu jamais queimara no rosto de Laracna antes. Os raios daquela luz penetraram sua cabeça machucada e a cortaram com uma dor insuportável, e a terrível infecção de luz se espalhou de um olho para outro. Ela caiu para trás, golpeando o ar com as patas dianteiras, sua visão fulminada por relâmpagos internos, sua mente agonizando.
Então, virando sua cabeça mutilada, rolou no chão e começou a se arrastar, garra após garra, na direção da abertura no penhasco escuro lá atrás.
Sam avançou. Cambaleava como um bêbado, mas avançou. E Laracna finalmente recuou, encolhida e derrotada, tentando aos trancos e barrancos correr dele. Atingiu o buraco e, passando apertada, deixou um rastro de muco verde-amarelado e esgueirou-se para dentro, no momento em que Sam desfechava um último golpe em suas pernas rastejantes. Depois ele caiu no chão.
Laracna se fora, e se porventura permaneceu por muito tempo em sua toca, cuidando de sua malícia e miséria, e em lentos anos de escuridão se curou de dentro para fora, reconstruindo o aglomerado de olhos, até poder, com fome mortal, armar mais uma vez suas horripilantes ciladas nas fendas das Montanhas da Sombra, esta história não conta.
Sam foi deixado em paz. Exausto, enquanto a noite da Terra Inominada caía sobre o lugar da batalha, arrastou-se de volta ao seu mestre.
— Mestre, querido mestre — disse ele, mas Frodo não dizia nada.
Assim que ele saíra correndo, ávido, alegre por se ver livre, Laracna se aproximara por trás, com uma velocidade espantosa, e com um golpe certeiro lhe ferroara o pescoço. Agora ele jazia pálido, imóvel e sem nada ouvir.
— Mestre, querido mestre! — disse Sam, e esperou durante um longo silêncio, escutando em vão.
Então, o mais rápido possível, cortou as cordas que o prendiam e pousou a cabeça sobre o peito de Frodo e aproximou-a de sua boca, mas não percebeu qualquer sopro de vida, nem sentiu a mais leve palpitação em seu coração. Várias vezes esfregou as mãos do mestre, e tocou sua testa, mas seu corpo estava todo frio.
— Frodo, Sr. Frodo! — chamou ele. — Não me deixe aqui sozinho! É o seu Sam que está chamando. Não vá para onde eu não possa segui-lo! Acorde, Sr. Frodo! Oh, acorde, Frodo, meu querido, meu querido. Acorde!
Então uma onda de ódio tomou conta dele, que se pôs a correr em volta do corpo de seu mestre, furioso, apunhalando o ar, golpeando as pedras e gritando desafios. De repente voltou a si, e curvando-se olhou para o rosto de Frodo, pálido, estendido sobre o chão no crepúsculo. E subitamente percebeu que estava no quadro que lhe fora revelado no espelho de Galadriel, em Lórien: Frodo com o rosto pálido, jazendo num sono profundo sob um grande penhasco escuro. Ou essa foi a impressão que tivera na ocasião.
— Está morto! — disse ele. — Não está dormindo, está morto! — E quando disse isso, como se as palavras tivessem colocado o veneno em ação outra vez, teve a impressão de que o rosto de Frodo ficou ainda mais lívido.
Então um desespero negro se abateu sobre ele, e Sam se curvou até o chão, cobrindo a cabeça com o capuz cinzento; a noite se apoderou de seu coração, e ele perdeu os sentidos. Quando finalmente a escuridão passou, Sam ergueu os olhos e viu que as sombras o envolviam, mas por quantos minutos ou horas o mundo continuara se arrastando ele não sabia dizer. Estava ainda no mesmo lugar, e ainda seu mestre jazia morto ao seu lado. As montanhas não tinham esboroado, e nem a terra caído em ruína.
— Que devo fazer, que devo fazer? — disse ele. — Será que o acompanhei por todo esse longo caminho para nada? — Então lembrou-se de sua própria voz dizendo palavras que na ocasião lhe pareceram sem sentido, no início de sua jornada: Tenho algo a fazer antes do fim. Devo passar por isso, senhor, se o senhor me entende.
— Mas o que posso fazer? De forma alguma deixar o Sr. Frodo morto, insepulto no topo das montanhas e ir para casa. Ou será que devo prosseguir? Prosseguir? — repetiu ele, e por um momento a dúvida e o medo o agitaram. — Prosseguir? É isso que devo fazer? E deixá-lo?
Então finalmente começou a chorar; e aproximando-se de Frodo compôs-lhe o corpo, juntando as mãos frias sobre o peito, e embrulhou-o com a capa; colocou a própria espada de um lado, e o cajado oferecido por Faramir do outro.
— Se devo prosseguir — disse ele —, então preciso levar sua espada, com a sua permissão, Sr. Frodo, mas vou colocar esta ao seu lado, exatamente como estava ao lado do velho rei no túmulo, e o senhor tem o seu belo casaco de mithril que o Sr. Bilbo lhe deu. E sua estrela de cristal, Sr. Frodo, o senhor a emprestou a mim e vou precisar dela, pois agora sempre estarei no escuro. Não sou digno dela, e a Senhora a deu ao senhor, mas talvez ela entendesse. O senhor entende, Sr. Frodo? Preciso prosseguir.
Mas não conseguia partir, ainda não. Ajoelhou-se e segurou a mão de Frodo, sem conseguir soltá-la. O tempo passou e ele continuava ali ajoelhado, segurando a mão de seu mestre, e travando um debate em seu coração.
Agora tentava encontrar forças para se separar e partir numa jornada solitária — de vingança. Se conseguisse ir, seu ódio o carregaria em todas as estradas do mundo, procurando, até que finalmente o encontrasse: Golum. Então Golum morreria encurralado. Mas não era essa a sua tarefa. Não valeria a pena deixar seu mestre por esse motivo. Isso não o traria de volta. Nada poderia trazê-lo de volta. Seria melhor que os dois tivessem morrido juntos. E essa também seria uma viagem solitária.
Fixou a ponta brilhante da espada. Pensou nos lugares pelos quais passara e onde havia um precipício negro, onde poderia cair no escuro, dentro do nada.
Por ali não havia como escapar. Isso seria o mesmo que não fazer nada, nem mesmo chorar. Não era essa a sua tarefa.
— Que devo fazer então? — gritou ele de novo, e agora parecia saber perfeitamente a dura resposta: passar por isso. Outra jornada solitária, e a pior de todas. — O quê? Eu, sozinho, ir até a Fenda da Perdição e tudo o mais? — Ainda vacilava um pouco, mas a resolução crescia dentro dele. — O quê? Eu tirar o Anel dele? O Conselho o deu a ele.
Mas a resposta veio imediatamente:
— E o Conselho lhe deu companheiros, para que a missão não fracassasse. E você é o último membro de toda a Comitiva. A missão não deve fracassar.
— Gostaria de não ser o último — gemeu Sam. — Gostaria que o velho Gandalf estivesse aqui, ou alguém. Por que fui deixado sozinho para tomar uma decisão? Com certeza fracassarei. E não devo pegar o Anel, tomando a dianteira.
— Mas não foi você quem tomou a dianteira, você foi colocado nessa posição. E quanto a ser a pessoa certa e adequada, bem, o Sr. Frodo também não era, como se pode dizer, nem o Sr. Bilbo. Eles não se elegeram.
— Está bem, devo decidir sozinho. Vou decidir. Mas com certeza vou fracassar: isso seria absolutamente típico de Sam Gamgi.
— Deixe-me ver agora: se formos encontrados aqui, ou se o Sr. Frodo for encontrado, e a Coisa estiver com ele, bem, o Inimigo vai se apoderar dela. E isso será o fim de todos nós, de Lórien, de Valfenda e do Condado, e de tudo. E não há tempo a perder, ou de qualquer jeito será o fim. A guerra começou, e é mais que provável que as coisas já estejam indo bem para o Inimigo. Não há chance de voltar com a Coisa para obter conselhos ou permissão. Só há duas escolhas: ficar sentado aqui até que eles venham e me derrubem morto sobre o corpo de meu mestre, e A levem; ou pegá-La e partir. — Respirou fundo. — Então é pegá-La!
Abaixou-se. Com toda a delicadeza abriu o fecho no pescoço e deslizou a mão dentro da túnica de Frodo; então, levantando a cabeça com a outra mão, beijou-lhe a fronte, e suavemente passou a corrente por cima dela. E depois a cabeça voltou a jazer em repouso. Nenhuma alteração se manifestou no rosto imóvel, e por isso, mais que por todos os outros sinais, Sam se convenceu finalmente de que Frodo estava morto e abandonara a Demanda.
— Adeus, mestre, meu querido! — murmurou ele. — Desculpe. O seu Sam. Ele voltará a este lugar quando o serviço estiver terminado – se conseguir terminá-lo. E então não vai deixá-lo novamente. Descanse em paz até eu voltar; e que nenhuma criatura suja se aproxime do senhor! E se a Senhora pudesse me ouvir e me conceder um desejo, eu gostaria de voltar e encontrá-lo de novo. Adeus!
Então curvou o próprio pescoço, e colocou nele a corrente, e de imediato sua cabeça foi puxada para o chão pelo peso do Anel, como se uma grande pedra tivesse sido pendurada em seu pescoço. Mas lentamente, como se o peso ficasse menor, ou como se uma nova força crescesse nele, Sam levantou a cabeça, e com um grande esforço ficou de pé e percebeu que conseguiria caminhar e carregar seu fardo. E por um momento ergueu o Frasco e olhou seu mestre, e a luz agora brilhava suavemente, com a radiação fraca da estrela vespertina no verão, e naquela luz o rosto de Frodo ficou com uma tonalidade bonita de novo, pálido mas belo, de uma beleza élfica, como o de alguém que por muito tempo andou pelas sombras. E com o consolo amargo dessa última visão Sam virou-se, escondeu a luz e foi cambaleando ao encontro da escuridão crescente.


Não precisou ir muito longe. O túnel ficara para trás a certa distância a Fenda estava a algumas centenas de metros à frente, ou menos. A trilha estava visível no crepúsculo, um sulco profundo cavado pela passagem de usuários durante séculos, agora subindo suavemente numa vala comprida, com penhascos dos dois lados. A vala estreitou-se rapidamente. Logo Sam atingiu um longo lance de degraus largos e rasos. Agora a torre dos orcs estava bem acima dele, franzindo-se negra, e nela o olho vermelho ardia. Agora Sam estava oculto na sombra escura abaixo dele.
Finalmente estava chegando ao topo da escada e à Fenda.
— Tomei a decisão — ficava ele dizendo a si mesmo. Mas não tinha tomado. Embora tivesse feito o máximo para resolver a questão, o que estava fazendo era totalmente contra a sua tendência natural — Será que fracassei? — murmurou ele. — O que deveria ter feito?
Conforme as encostas íngremes da Fenda se fechavam em torno dele, antes que realmente atingisse o topo, antes que finalmente olhasse a trilha que descia para a Terra inominada, Sam se voltou. Por um momento, imóvel numa dúvida insuportável, olhou para trás. Ainda conseguia ver, como uma pequena mancha na escuridão crescente, a boca do túnel, e teve a impressão de vislumbrar ou adivinhar onde Frodo jazia. Imaginou ter visto algo tremeluzindo no chão lá embaixo, ou talvez fosse alguma peça que lhe pregavam suas lágrimas, ao olhar daquela altura de pedra onde toda a sua vida se arruinara.
— Se ao menos me fosse concedido meu desejo, meu único desejo — suspirou ele — o de voltar e encontrá-lo. — Depois finalmente virou-se para a estrada à frente e deu alguns passos: os mais pesados e mais relutantes que jamais dera.
Apenas alguns passos, e agora alguns outros e ele já estaria descendo para jamais ver aquele lugar alto outra vez. E então, de repente, ouviu gritos e vozes.
Ficou paralisado como uma pedra. Vozes de orcs. Estavam atrás e adiante dele. Um ruído de pés batendo no chão e gritos roucos: orcs estavam subindo para a Fenda, vindo do lado oposto, de alguma entrada para a torre, talvez. Pés avançando e gritos atrás. Sam girou o corpo. Viu pequenas luzes vermelhas, tochas, piscando lá embaixo conforme saíam do túnel. Finalmente a caçada começara. O olho vermelho da torre não estivera cego. Sam fora apanhado.
Agora o faiscar das tochas que se aproximavam e o tinido do aço à frente estavam muito próximos. Em um minuto atingiriam o topo e cairiam sobre ele.
Sam demorara muito para tomar a decisão, e agora não adiantava mais nada.
Como poderia escapar, ou salvar-se, ou salvar o Anel? O Anel. Não se deu conta de qualquer pensamento ou decisão. Simplesmente se viu tirando a corrente e pegando o Anel na mão. O chefe do grupo de orcs apareceu na Fenda bem diante dele.
Então Sam colocou o Anel no dedo.
O mundo mudou, e um único momento de tempo se encheu de uma hora de ponderação. Imediatamente Sam percebeu que sua audição se aguçara, enquanto a visão ficara obscurecida, mas de modo diferente do obscurecimento ocorrido na toca de Laracna. Agora todas as coisas ao seu redor não estavam escuras, mas difusas; enquanto ele mesmo estava lá, num mundo cinzento e enevoado, sozinho, como uma pequena rocha sólida e negra, e o Anel, pesando em sua mão esquerda. Era como um círculo de ouro escaldante. Sam não se sentia invisível de forma alguma, mas terrível e singularmente visível; e sabia que em algum lugar um Olho o procurava. Ouviu o estalido de pedras, o murmúrio de águas distantes no Vale Morgul, e muito abaixo, sob a rocha, a miséria borbulhante de Laracna, tateando, perdida em alguma passagem sem saída; ouviu vozes nos calabouços da torre, e os gritos dos orcs que saiam do túnel; e ensurdecedores, rugindo em seus ouvidos, a batida dos pés e o clamor dilacerante dos orcs diante dele. Encolheu-se contra o penhasco. Mas eles avançavam como uma tropa de fantasmas, figuras cinzentas distorcidas numa névoa, apenas sonhos de medo com chamas pálidas nas mãos. E passaram por ele. Sam se agachou, tentando se esgueirar para dentro de alguma fissura e se esconder.
Ficou escutando. Os orcs do túnel e os outros descendo em marcha tinham avistado uns aos outros, e agora os dois grupos corriam e gritavam. Sam ouvia ambos claramente, e entendia o que estavam dizendo. Talvez o Anel proporcionasse o entendimento de línguas, ou simplesmente o entendimento, especialmente dos servidores de Sauron, seu criador, de modo que se Sam prestava atenção conseguia entender e traduzir o pensamento para si mesmo.
Com certeza o poder do Anel crescera muito, à medida que se aproximara dos lugares onde fora forjado; mas uma coisa ele não conferia, e esta coisa era a coragem. No momento Sam ainda só pensava em se esconder, em ficar agachado até que tudo se aquietasse de novo; e escutava com atenção. Não conseguia saber a que distância estavam as vozes, as palavras pareciam estar quase em seus ouvidos.
— Olá! Gorbag! Que está fazendo aqui em cima? Já guerreou bastante por hoje?
— Ordens, seu brutamontes. E o que você está fazendo, Shagrat? Cansado de ficar espreitando lá em cima? Pensando em descer e lutar?
— Ordens para você. Estou no comando desta passagem agora.
— Então fale com respeito. Que tem a relatar?
— Nada.
— Hai! Hai! Yoi! — Um grito interrompeu a troca de palavras dos líderes.
Os orcs que estavam mais embaixo tinham avistado algo de repente. Começaram a correr. Os outros fizeram o mesmo.
— Hai! Olá! Alguma coisa aqui! Bem na estrada. Um espião, um espião!
Ouviu-se uma algazarra de buzinas ríspidas e uma babel de vozes ladrando.
Com um golpe pavoroso Sam despertou de seu estado acovardado. Avistaram seu mestre. O que iriam fazer? Ouvira sobre os orcs histórias de congelar o sangue.
Não poderia suportar aquilo. Saltou de pé. Afastou a Demanda e todas as decisões de sua mente, juntamente com o medo e a dúvida. Sabia agora onde era e onde sempre fora o seu lugar: ao lado de seu mestre, embora não soubesse ao certo o que poderia fazer lá. Desceu correndo os degraus e foi pela trilha na direção de Frodo.
“Quantos são?”, pensou ele. “No mínimo trinta ou quarenta descendo da torre, e muitos mais que estão vindo lá de baixo, suponho eu. Quantos poderei matar antes que me peguem? Eles vão ver a chama da espada logo que eu a puxar, e vão me pegar mais cedo ou mais tarde. Pergunto-me se algum dia uma canção vai mencionar este fato: Como Samwise caiu na Passagem Alta e construiu uma parede de corpos em volta de seu mestre. Não, canção não. Claro que não, pois o Anel será encontrado, e não haverá mais canções. Não posso evitar. Meu lugar é ao lado do Sr. Frodo. Eles precisam entender isso — Elrond, o Conselho, e os grandes Senhores e Senhoras, com toda a sua sabedoria. Os planos que fizeram fracassaram. Não posso ser o Portador do Anel. Não sem o Sr. Frodo.”
Mas os orcs agora estavam fora do alcance de sua visão obscurecida. Sam não tivera tempo para pensar em si mesmo, mas agora percebia que estava cansado, cansado à beira da exaustão: suas pernas não o levavam aonde desejava.
Estava lento demais. Parecia que a trilha tinha milhas de comprimento. Aonde tinham ido todos naquela névoa?
Lá estavam eles de novo! Ainda a uma boa distância. Um aglomerado de figuras em volta de alguma coisa que jazia no solo; alguns pareciam estar se atirando de um lado para o outro, curvados como cães sobre um rastro. Sam tentou se sacudir.
— Vamos, Sam! — disse ele — ou você chegará tarde demais outra vez.
Soltou a espada em seu cinto. Num minuto iria puxá-la, e então...
Ouviu-se um clamor alucinado, risos e buzinas, enquanto algo era erguido do chão.
— Ya hoi! Ya harri hoi! Para cima! Para cima!
Então uma voz gritou:
— Agora vamos! Pelo caminho rápido. De volta para o Portão de Baixo! Tudo indica que esta noite ela não vai nos incomodar. — O bando de vultos de orcs começou a se mexer. Quatro ao centro carregavam um corpo por sobre os ombros. — Ya hoi!
Tinham levado o corpo de Frodo. Tinham-se ido. Sam não conseguia alcançá-los. Mesmo assim se esforçava. Os orcs atingiram o túnel e estavam entrando. Os que levavam o fardo foram primeiro, e atrás deles havia muita luta e empurrão.
Sam se aproximou. Puxou a espada, uma faísca azul na sua mão trêmula, mas eles nada viram. No momento em que chegou ofegante, o último deles desapareceu dentro do buraco negro.
Por um momento parou, arquejante, com a mão no peito. Então passou a manga da camisa pelo rosto, limpando a sujeira, o suor e as lágrimas.
— Malditos imundos! — disse ele, e saltou atrás deles para dentro da escuridão.
O interior do túnel já não lhe parecia tão escuro; era mais como se ele tivesse saído de uma névoa tênue para entrar num nevoeiro mais espesso. O cansaço aumentava, mas sua vontade se consolidava cada vez mais. Teve a impressão de ver a luz de tochas um pouco à frente, mas por mais que tentasse não conseguia alcançá-las. Os orcs andam rápido em túneis, e este túnel eles conheciam bem; apesar de Laracna, eles frequentemente eram forçados a usá-lo como o caminho mais curto que vinha da Cidade Morta por sobre as montanhas. Em que tempo distante tinham sido feitos o túnel principal e a grande caverna redonda, a moradia de Laracna desde eras passadas, eles não sabiam; mas os próprios orcs tinham cavado muitos caminhos secundários ao redor do túnel dos dois lados, para escapar da toca em suas longas idas e vindas a mando de seus mestres.
Esta noite eles não tinham a intenção de descer muito, mas se apressavam para encontrar uma passagem lateral que os conduzisse de volta à torre de vigia no penhasco. Muitos deles estavam contentes, deliciados com o que tinham visto e encontrado, e enquanto corriam tagarelavam e resmungavam à maneira de sua espécie. Sam ouvia o ruído de suas vozes roucas, graves e ríspidas no ar parado, e conseguia distinguir duas vozes em meio a todas as outras: eram mais altas, e estavam mais próximas. Os capitães dos dois grupos pareciam fechar a retaguarda, discutindo enquanto avançavam.
— Pode fazer sua gentalha parar com tanta algazarra, Shagrat? — resmungou um deles. — Não queremos Laracna em cima de nós.
— Que é isso, Gorbag! Os seus estão fazendo mais da metade do barulho — disse o outro. — Mas deixe os rapazes brincarem! Não precisamos nos preocupar com Laracna por algum tempo, eu acho. Parece que ela sentou num prego, e não vamos chorar por causa disso. Você viu uma nojeira por todo o caminho que vai até aquela maldita fenda onde ela mora? Já tentamos interromper a algazarra mais de cem vezes e não conseguimos nunca. Então deixe que riam. E finalmente tivemos um pouco de sorte: conseguimos alguma coisa que Lugbúrz deseja.
— Lugbúrz deseja, é? E o que você acha que é isso? Tive a impressão de que é alguma coisa élfica, mas de tamanho menor. Qual é o perigo numa coisa dessas?
— Só vou saber quando der uma olhada.
— Oho! Então eles não lhe disseram o que esperar? Eles não nos dizem tudo o que sabem, dizem? Nem metade. Mas podem cometer erros, até mesmo os Chefões podem.
— Pssiu. Gorbag! — Shagrat diminuiu o tom da voz, de forma que mesmo com sua audição estranhamente aguçada Sam podia apenas ter uma ideia do que estava sendo dito.
— Eles podem, mas tem olhos e ouvidos por toda a parte; alguns entre meu grupo, muito provavelmente. Mas não há dúvidas sobre isso, eles estão preocupados com alguma coisa. Os nazgúl lá embaixo estão, pelo que você me contou; e Lugbúrz também está. Alguma coisa quase escapou.
— Quase, você diz! — disse Gorbag.
— Está certo — disse Shagrat —, mas vamos falar sobre isso mais tarde. Espere até chegarmos ao Caminho de Baixo. Lá há um lugar onde podemos conversar um pouco, enquanto os rapazes continuam avançando.
Logo depois Sam viu as tochas desaparecerem. Então ouviu-se um ribombar e, no momento em que ele corria, um baque. Pelo que pôde adivinhar, os orcs tinham virado e entrado exatamente pela abertura pela qual Frodo e ele tentaram passar e que acharam bloqueada. Ainda estava bloqueada.
Parecia haver uma grande pedra no caminho, mas os orcs de alguma forma a tinham transposto, pois Sam ouvia suas vozes do outro lado. Estavam ainda correndo, afundando cada vez mais na montanha, de volta para a torre. Sam ficou desesperado. Eles estavam levando embora o corpo de seu mestre para alguma finalidade maligna e ele não conseguia segui-los. Forçou a pedra e a empurrou, arremeteu contra ela, mas a rocha não cedeu. Então, não muito distantes lá dentro, ou pelo menos foi essa a impressão que teve, Sam ouviu as vozes dos dois capitães conversando de novo. Parou para escutar um pouco, talvez esperando descobrir alguma coisa útil.
Talvez Gorbag, que parecia pertencer a Minas Morgul, saísse, e então ele entraria sorrateiramente.
— Não, eu não sei — disse a voz de Gorbag. — As notícias chegam voando mais rápido do que qualquer pássaro, geralmente. Mas não quero saber como isso acontece. É mais seguro não perguntar. Grr! Aqueles nazgúl me dão arrepios. E tiram a pele de seu corpo assim que olham para você, e o deixam morrendo de frio no escuro do outro lado. Mas Ele gosta deles; são seus favoritos atualmente, então não adianta reclamar. Eu lhe digo, não é brincadeira trabalhar lá embaixo na cidade.
— Você deveria tentar ficar aqui em cima tendo Laracna por companhia — disse Shagrat.
— Eu gostaria de tentar em algum lugar onde não haja nenhum deles. Mas a guerra já começou, e quando estiver terminada pode ser que as coisas fiquem mais fáceis.
— Está indo bem, pelo que dizem.
— Já era de esperar isso deles — resmungou Gorbag. — Veremos. Mas de qualquer forma, se tudo for bem, haverá muito mais espaço. Que você me diz? Se tivermos uma oportunidade, você e eu vamos fugir para algum outro lugar, onde nos estabeleceremos por conta própria com alguns rapazes confiáveis, nalgum lugar onde haja coisas boas e fáceis de saquear, e sem chefes.
— Ah! — disse Shagrat. — Como nos velhos tempos.
— Sim — disse Gorbag. — Mas não conte com isso. Minha cabeça não está muito tranquila. Como eu disse, os Grandes Chefes, bem — sua voz se transformou quase num sussurro —, bem, mesmo os Maiorais podem cometer erros. Alguma coisa quase escapou, diz você. E eu digo, alguma coisa realmente escapou. E temos de ficar de olhos abertos. E sempre os pobres uruks devem consertar a situação quando alguém escapa, e ninguém agradece. Mas não esqueça: os inimigos não nos amam mais do que amam a Ele, e se o derrotarem estaremos acabados também. Mas olhe aqui: quando é que mandaram você sair?
— Mais ou menos uma hora atrás, um pouco antes de você nos ver. Chegou uma mensagem: Nazgúl preocupados. Suspeita de espiões nas Escadas. Vigilância redobrada. Patrulha deve dirigir-se ao topo das Escadas. Vim imediatamente.
— Mau negócio — disse Gorbag. — Olhe aqui... nossos Vigilantes Silenciosos já estavam preocupados há mais de dois dias, isso eu sei. Mas minha patrulha só foi receber ordens para sair no dia seguinte, e nenhuma mensagem foi enviada a Lugbúrz: isso devido ao Grande Sinal que subiu, e o Nazgúl Supremo que saiu para a guerra, e tudo aquilo. E conseguiram que Lugbúrz prestasse atenção por um bom tempo, pelo que me disseram.
— O Olho estava ocupado em algum outro lugar, julgo eu — disse Shagrat. — Grandes coisas acontecendo lá no oeste, pelo que dizem.
— Acho que sim — rosnou Gorbag. — Mas enquanto isso os inimigos subiram as Escadas. E o que você estava fazendo? Seu dever é ficar vigiando, não é, com ou sem ordens especiais? O que está pretendendo?
— Basta! Não tente me ensinar meu serviço. Estávamos muito bem acordados. Sabíamos que havia coisas muito estranhas acontecendo!
— Muito estranhas!
— Sim, muito estranhas: luzes e gritos e tudo mais. Mas Laracna estava em ação. Meus rapazes a viram com o Safado dela.
— O Safado dela? Que é isso?
— Você deveria ter visto: um sujeitinho magro e preto; parecido com uma aranha, ou talvez mais parecido com uma rã morta de fome. Já esteve aqui antes. Veio de Lugbúrz da primeira vez, anos atrás, e recebemos ordens de Lá de Cima para deixá-lo passar. Já subiu a escada uma ou duas vezes desde então, mas nós o deixamos em paz. Parece que tem algum entendimento com a Nobre Senhora. Suponho que não seja bom de comer: ela não se importaria com ordens de Lá de Cima. Mas que bela guarda você tem no vale: ele esteve aqui em cima um dia antes de toda essa balbúrdia. Nós o vimos no inicio da noite passada. De qualquer forma, meus rapazes reportaram que a Nobre Senhora estava se divertindo um pouco, e essa noticia me pareceu satisfatória, até que a mensagem chegou. Pensei que o Safado lhe trouxera um brinquedo, ou que vocês provavelmente lhe mandariam um presente, um prisioneiro de guerra ou qualquer coisa do tipo. Não interfiro nas brincadeiras dela. Nada passa por Laracna quando ela está caçando.
— Nada, você diz! Não usou seus olhos lá atrás? Eu lhe digo, minha cabeça não está muito tranquila. O que quer que seja que subiu as Escadas, conseguiu passar. Cortou a teia dela e conseguiu se livrar do buraco. Isso é algo a se considerar!
— Ah, bem, mas ela o pegou no fim, não pegou?
— Pegou? Pegou quem? Esse sujeitinho? Mas se era o único, então ela o teria levado para sua despensa há muito tempo, onde ele estaria agora. E se Lugbúrz o quisesse, você teria de ir e pegá-lo. Bom para você. Mas havia mais de um.
Nesse ponto, Sam começou a escutar com mais atenção, pressionando o ouvido contra a rocha.
— Quem cortou as cordas que ela passou em volta dele, Shagrat? O mesmo que cortou a teia. Você não percebeu isso? E quem enterrou um prego na Nobre Senhora? A mesma pessoa, julgo eu. E onde está ele? Onde está ele, Shagrat?
Shagrat não respondeu.
— É melhor pôr os miolos para funcionar, se é que você tem algum. Isso não é brincadeira. Ninguém, ninguém jamais enterrou um prego em Laracna, como você deveria muito bem saber. Não há o que lamentar sobre o fato, mas pense – há alguém solto nas redondezas que é mais perigoso que qualquer outro maldito rebelde que jamais andou por aí desde os maus e velhos tempos, desde o Grande Cerco. Alguma coisa realmente escapou.
— O que será, então? — resmungou Shagrat.
— Ao que tudo indica, Capitão Shagrat, eu diria que há um grande guerreiro à solta, mais provavelmente um elfo, de qualquer forma com uma espada élfica, além de um machado, talvez; e mais, está solto dentro das suas fronteiras, e você nunca pôs os olhos em cima dele. Muito estranho, realmente! — Gorbag cuspiu.
Sam deu um sorriso sinistro ao ouvir tal descrição de si mesmo.
— Ah, bem, você está sempre vendo as coisas com pessimismo — disse Shagrat. — Você pode interpretar os vestígios como quiser, mas pode haver outras formas de explicá-los. De qualquer forma, tenho vigias em todos os pontos, e vou cuidar de uma coisa de cada vez. Depois de dar uma olhada no sujeito que nós pegamos, então vou começar a me preocupar com outras coisas.
— Suponho que você não vai achar muita coisa naquele sujeitinho — disse Gorbag. — Pode ser que ele não tenha tido nada a ver com o verdadeiro malfeitor. O grande sujeito com a espada afiada parece não ter achado que ele valesse muito, de qualquer forma – simplesmente o largou lá: truque comum dos elfos.
— Veremos. Venha agora! Já conversamos bastante. Vamos dar uma olhada no prisioneiro!
— Que vai fazer com ele? Não se esqueça de que o vi primeiro. Se houver algum jogo, eu e meus rapazes devemos tomar parte nele.
— Calma, calma — resmungou Shagrat. — Tenho minhas ordens a cumprir. E desrespeitá-las custa mais do que a minha barriga, ou a sua. Qualquer intruso encontrado pela guarda deve ser aprisionado na torre. O prisioneiro deve ser despido. Uma descrição completa de todos os itens, roupa, arma, carta, anel ou adorno, deve ser enviada a Lugbúrz imediatamente, e somente a Lugbúrz. E o prisioneiro deve ser mantido a salvo e intacto, sob risco de morte para todos os membros da guarda, até que Ele mande alguém ou venha em pessoa. As ordens são bem claras, e é isso que vou fazer.
— Despido, é? — disse Gorbag. — Quer dizer, dentes, unhas, cabelo e tudo mais?
— Não, nada disso. Estou dizendo que ele se destina a Lugbúrz. E o querem a salvo e inteiro.
— Isso vai ser difícil — riu Gorbag. — A esta altura ele não passa de carniça. O que Lugbúrz fará com esse material eu não posso imaginar. Poderia muito bem acabar num caldeirão.
— Seu tolo — rosnou Shagrat. — Até agora você falou de modo muito inteligente, mas há muita coisa que não sabe, embora a maioria das outras pessoas saibam. Você irá para o caldeirão ou para Laracna, se não tomar cuidado. Carniça! Isso é tudo o que você sabe sobre a Nobre Senhora? Quando ela prende com cordas, está atrás de carne. Ela não come carne morta, nem chupa sangue frio. Esse sujeito não está morto!
Sam teve uma tontura e se agarrou na pedra. Sentiu-se como se todo o mundo escuro estivesse de cabeça para baixo. O choque foi tão grande que ele quase desmaiou mas, mesmo fazendo força para manter os sentidos, em suas entranhas ouviu o comentário: “Seu tolo, ele não está morto, e seu coração sabia disso. Não confie em sua cabeça, Samwise, que não é a sua melhor parte. O seu problema é que você nunca realmente teve esperanças. Agora, o que se deve fazer?” Por enquanto nada, exceto escorar-se na pedra imóvel e escutar, escutar as vozes vis dos orcs.
— Bobagem! — disse Shagrat. — Ela tem mais de um veneno. Quando está caçando, dá apenas uma leve ferroada no pescoço das vítimas, e elas ficam moles como filés de peixe, e faz então com eles o que ela gosta. Você se lembra do velho Ufthak? Nós o perdemos por dias. Então o encontramos num canto; estava pendurado, mas acordado e de olhos bem abertos. Como rimos! Ela havia se esquecido dele, talvez, mas não o tocamos – não convém se intrometer nas coisas d’Ela. Agora, esse nojentinho, ele vai acordar, daqui a algumas horas, e, além de sentir um pouco de enjoo por um tempo, vai ficar bem. Ou ficaria, se Lugbúrz o deixasse em paz. E, é claro, se não tivesse de tentar adivinhar onde está e o que aconteceu com ele.
— E o que vai acontecer com ele — riu Gorbag. — De qualquer forma podemos lhe contar algumas histórias, se não pudermos fazer mais nada. Não acho que já tenha estado na adorável Lugbúrz, então pode ser que ele goste de saber o que esperar. Isso vai ser mais divertido do que eu pensei. Vamos!
— Não vai haver diversão nenhuma, estou lhe dizendo — disse Shagrat. — E é preciso mantê-lo a salvo, ou já estamos mortos.
— Está certo! Mas se eu fosse você, pegaria o grande que está solto, antes de enviar qualquer relatório a Lugbúrz. Não vai soar muito bem se você disser que pegou o gatinho e deixou o gatão escapar.
As vozes começaram a se afastar. Sam ouviu o som de passos indo embora.
Estava se recuperando do choque, e agora era tomado por uma fúria alucinada.
— Fiz tudo errado! — gritou ele. — Sabia que faria! Agora eles o pegaram, os demônios! Os sujos! Nunca abandone seu mestre, nunca, nunca: essa era a lei que deveria ter seguido. E sabia disso em meu coração. Que me perdoem! Agora tenho de consegui-lo de volta. De alguma forma, de alguma forma!
Puxou a espada de novo e bateu na pedra com o cabo, mas só ouviu um ruído surdo. A espada, entretanto, brilhou tanto que ele conseguiu vagamente enxergar em sua luz. Para sua surpresa, notou que o grande bloco tinha o formato de uma porta pesada, com menos do dobro de sua altura. Em cima havia um espaço vazio e escuro, entre o topo e o arco baixo da abertura. Provavelmente a porta estava ali apenas para impedir a invasão de Laracna, e era fechada por dentro com algum trinco ou ferrolho fora do alcance de sua sagacidade. Com a força que lhe restava, Sam pulou e se agarrou na parte de cima, subiu e desceu do outro lado; depois correu alucinadamente, a espada reluzente na mão, contornando uma curva e subindo através de um túnel sinuoso.
A notícia de que seu mestre ainda estava vivo despertou-o para um último esforço além de qualquer noção de cansaço. Sam não conseguia ver nada à frente, pois esse novo corredor fazia curvas e ziguezagueava constantemente, mas ele tinha a impressão de estar alcançando os dois orcs: as vozes estavam se aproximando outra vez. Agora pareciam estar bem perto.
— É isso o que eu vou fazer — disse Shagrat num tom raivoso. — Colocá-lo lá em cima, no cômodo superior.
— Para quê? — resmungou Gorbag. — Você não tem nenhum cárcere aqui embaixo?
— Lá ele estará a salvo, estou lhe dizendo — respondeu Shagrat. — Percebe? Ele é precioso. Não confio em todos os meus rapazes, e em nenhum dos seus, nem mesmo em você, quando está louco por uma diversão. Ele vai para onde eu quiser, e aonde você não possa chegar, se não se comportar. Lá para cima, estou dizendo. Lá estará a salvo.
— É mesmo? — disse Sam. — Você está se esquecendo do grande guerreiro élfico que está à solta! — E com isso correu contornando a última esquina, apenas para descobrir que por algum truque do túnel, ou pela audição que o Anel lhe proporcionava, calculara mal a distância. Os vultos dos dois orcs ainda estavam um pouco à frente. Agora conseguia vê-los, negros e agachados contra um clarão vermelho. O corredor finalmente ficara reto, subindo numa ladeira e no fim, escancaradas, viam-se as grandes portas duplas, que provavelmente conduziam a cômodos profundos bem embaixo do alto chifre da torre. Os orcs, carregando o seu fardo, já haviam entrado. Gorbag e Shagrat estavam se aproximando do portão.
Sam ouviu uma explosão de cantoria rude, clangores de cornetas e o ressoar de gongos, um clamor hediondo. Gorbag e Shagrat já estavam no limiar.
Sam gritou e brandiu Ferroada, mas sua voz fraca se afogou no tumulto.
Ninguém lhe deu atenção.
As grandes portas bateram. Bum. As barras de ferro caíram em seu encaixe, do lado de dentro. Clangue. O portão se fechou. Sam se jogou contra as placas de bronze trancadas e caiu no chão sem sentidos. Ficara do lado de fora e no escuro.
Frodo estava vivo, mas o Inimigo o levara.


Aqui termina a segunda parte da história da Guerra do Anel. A terceira parte conta a história da última defesa contra a sombra e do fim da missão do Portador do Anel em O Retorno do Rei.

Capítulo IX - A Toca de Laracna

Podia realmente ser dia agora, como dizia Golum, mas os hobbits quase não notavam diferença alguma, a não ser talvez pelo céu, que estava um pouco menos escuro, parecendo um grande teto de fumaça, enquanto em vez da escuridão da noite profunda, que ainda perdurava em fendas e buracos, uma sombra cinzenta e indistinta cobria o mundo rochoso ao redor deles. Foram adiante, Golum na frente e os hobbits agora lado a lado, subindo o longo desfiladeiro entre pilares e colunas de rocha dilacerada e gasta, que se erguiam como imensas estátuas disformes dos dois lados. Não se ouvia som algum.
Um pouco à frente, talvez uma milha ou mais, havia uma grande muralha, uma última massa de rocha que se arremessava para o alto.
Cada vez mais escura assomava, elevando-se gradativamente conforme iam se aproximando, até subir muito além das cabeças deles, barrando a visão de tudo o que ficava além. Uma sombra profunda jazia aos seus pés. Sam farejou o ar.
— Ugh! Aquele cheiro! — disse ele. — Está ficando cada vez mais forte.
De repente estavam sob a sombra, e ali no meio dela viram a abertura de uma caverna.
— A entrada é por ali — disse Golum baixinho. — Esta é a entrada do túnel.
Não disse o nome: Torech Ungol, Toca de Laracna. Dele vinha um fedor, não o cheiro repugnante de podridão dos prados de Morgul, mas um odor nauseabundo, como se uma imundície inominável estivesse empilhada e guardada na escuridão lá dentro.
— É o único caminho, Sméagol? — perguntou Frodo.
— É, sim — respondeu ele. — Sim, devemos ir por aqui agora.
— Você está querendo dizer que já atravessou este buraco? — disse Sam. — Arre! Mas talvez você não se incomode com cheiros ruins.
Os olhos de Golum cintilaram.
— Ele não sabe com o que nós se incomoda, não é, precioso? Não, ele não sabe. Mas Sméagol pode aturar coisas. Sim, ele atravessou. É sim, atravessou exatamente por ali. É o único caminho.
— E o que produz esse cheiro, eu gostaria de saber — disse Sam. — Parece... bem, não gostaria de dizer. Algum buraco abominável de orcs, eu garanto, com uns cem anos da sujeira deles lá dentro.
 Bem  disse Frodo.  Com ou sem orcs, se for o único caminho, devemos tomá-lo.
Respiraram fundo e entraram. Alguns passos e já estavam num a escuridão total e impenetrável. Só nos corredores sem luz de Moria Frodo e Sam não tinham visto escuridão semelhante, e se possível aqui ela era mais profunda e mais densa. Lá havia ares circulando, e ecos, e uma sensação de espaço. Onde estavam agora o ar era parado, estagnado, pesado, e o silêncio era total.
Caminhavam por assim dizer num vapor negro, composto da própria escuridão em si mesma que, quando era inalada, trazia cegueira não apenas para os olhos, mas também para a mente, de modo que até a lembrança de cores e formas e de qualquer luz se apagavam do pensamento.
A noite sempre existira, e sempre existiria, e a noite era tudo.
Mas por um tempo eles ainda conservaram o tato, e na verdade a sensibilidade de seus pés e mãos pareceu a princípio se aguçar quase dolorosamente. As paredes eram, para a surpresa deles, lisas; o chão, com a exceção de um ou outro degrau que surgia de vez em quando, era reto e regular, sempre subindo com a mesma inclinação acentuada. O túnel era alto e amplo, tão amplo que, embora os hobbits caminhassem lado a lado, apenas tocando as paredes laterais com os braços abertos, estavam separados, isolados na escuridão. Golum tinha entrado primeiro, e parecia estar apenas alguns passos à frente. Enquanto ainda conseguiam dar atenção a coisas desse tipo, os hobbits ouviam sua respiração chiada e ofegante bem na frente deles. Mas depois de um tempo seus sentidos ficaram menos aguçados, o tato e a audição pareciam estar adormecendo, e eles continuavam, tateando, caminhando, sempre em frente, principalmente pela força de vontade com a qual tinham entrado, vontade de atravessar e desejo de chegar finalmente ao alto portão que ficava mais além. Ainda não tinham avançado muito, talvez, mas a noção de tempo e distância logo havia desaparecido de sua mente; Sam, à direita, tateando a parede, percebeu a presença de uma abertura lateral: por um momento detectou um sopro fraco de algum ar menos pesado, que logo ficou para trás.
— Há mais de um corredor aqui — sussurrou ele com um esforço: parecia difícil fazer com que sua respiração produzisse algum ruído. — É o lugar mais parecido com moradias de orcs que poderia existir!
Depois disso, primeiro ele à direita, e depois Frodo à esquerda, passaram por três ou quatro dessas aberturas, algumas mais largas, outras menores; mas por enquanto não havia dúvidas quanto ao caminho principal, pois era reto, e não fazia curvas, e ainda continuava subindo sempre. Mas qual seria seu comprimento, e quanto mais daquilo teriam de aturar, ou conseguiriam aturar? O ar ficava cada vez mais irrespirável conforme subiam, e agora eles tinham frequentemente a sensação de estarem, naquela escuridão cega, experimentando alguma resistência mais espessa que o ar pestilento. Enquanto se lançavam à frente, sentiam coisas roçarem contra suas cabeças, ou suas mãos, longos tentáculos, ou plantas penduradas talvez: não conseguiam saber o que eram. E o fedor ainda aumentava. Aumentou até quase ficarem com a impressão de que o olfato era o único sentido que lhes restava, e isso para o tormento deles. Uma hora, duas horas, três horas: quantas se tinham passado naquele buraco sem luz? Horas, dias, talvez semanas.
Sam se afastou da lateral do túnel e se achegou na direção de Frodo, e as mãos deles se encontraram e se apertaram, e desse modo, juntos, eles continuaram sempre em frente. Finalmente Frodo, tateando ao longo da parede à esquerda, descobriu de repente uma lacuna. Quase caiu de lado, dentro do vazio. Ali havia alguma abertura na rocha muito maior do que qualquer outra pela qual tinham passado; e dela vinha um cheiro tão nauseabundo, e uma sensação tão intensa de maldade à espreita, que Frodo cambaleou.
Naquele momento 8am também perdeu o equilíbrio e caiu para a frente.
Lutando ao mesmo tempo contra a ânsia de vômito e o medo, Frodo agarrou a mão de Sam.
— Levante-se! — disse ele numa respiração rouca e surda. — Tudo vem daqui, o fedor e o perigo. Vamos embora! Rápido!
Reunindo a força e a resolução que lhe restavam, colocou Sam de pé, e forçou as próprias pernas a se moverem. Sam tropeçava ao lado dele.
Um passo, dois passos, três passos — finalmente seis passos. Talvez tivessem passado a terrível abertura invisível, mas, fosse ou não por isso, de repente os movimentos ficaram mais fáceis, como se alguma vontade má os tivesse libertado por um tempo.
Avançaram com muito esforço, ainda de mãos dadas.
Mas quase imediatamente encontraram uma nova dificuldade. O túnel se bifurcava, ou assim parecia, e no escuro não conseguiam saber qual era o caminho mais largo, ou qual deles ficava mais próximo do caminho direto. Qual deveriam tomar, o da direita ou o da esquerda? Não sabiam de nada que pudesse guiá-los, e no entanto uma escolha errada certamente seria fatal.
— Por qual caminho Golum foi? — perguntou Sam ofegante. — E por que não esperou?
— Sméagol! — disse Frodo, tentando chamá-lo. — Sméagol! — mas sua voz era um grasnido, e o nome morreu quase no mesmo momento em que deixou seus lábios. Não houve resposta, nem um eco, nem mesmo um tremor no ar.
— Acho que desta vez ele realmente se foi — murmurou Sam. — Acho que sua intenção era nos trazer exatamente para este lugar. Golum! Se algum dia conseguir colocar-lhe as mãos em cima, ele vai se arrepender disso.
De repente, tateando e apalpando no escuro, perceberam que a abertura à esquerda estava bloqueada: ou não tinha saída, ou alguma grande pedra caíra na passagem.
— Este não pode ser o caminho — sussurrou Frodo.
— Certo ou errado, devemos tomar o outro.
— E logo! — ofegou Sam. — Há alguma coisa pior que Golum por aqui. Posso sentir algo nos observando.
Não tinham avançado mais que alguns metros quando ouviram um som que se aproximava por trás, assustador e horrível no silêncio pesado, abafado, um som gorgolejante, borbulhante, e um chiado longo e venenoso.
Viraram-se, mas não conseguiram ver nada. Ficaram parados como pedras, observando, esperando, sem saber o que.
— É uma armadilha! — disse Sam, colocando a mão sobre o punho de sua espada; e no momento em que fez isso, pensou na escuridão do túmulo de onde ela vinha.
“Gostaria que o velho Tom estivesse por perto agora!”, pensou ele.
Depois, parado, com a escuridão ao redor e um negrume de desespero e raiva em seu coração, teve a impressão de ver uma luz: uma luz em sua mente, quase insuportavelmente clara no início, como um raio de sol para os olhos de alguém há muito tempo escondido numa caverna sem janelas. Depois a luz ficou colorida. Verde, dourada, prateada, branca. Distante, como se estivesse num pequeno quadro desenhado por dedos élficos, Sam viu a Senhora Galadriel, em pé sobre a relva de Lórien, e havia presentes nas mãos dela. E para você, portador do Anel, ele a ouviu dizer, numa voz remota mas clara, para você eu preparei isto.
O chiado borbulhante se aproximou e ouviu-se um rangido, como se uma grande criatura com muitas juntas estivesse se movendo deliberadamente devagar no escuro. Um cheiro pestilento a precedia.
— Mestre, mestre! — gritou Sam, o tom vivo e insistente voltando à sua voz — o presente da Senhora! A estrela de cristal! Uma luz para o senhor em lugares escuros, foi o que ela disse que seria. A estrela de cristal!
— A estrela de cristal? — murmurou Frodo, como alguém que responde enquanto dorme, quase sem entender. — Oh, sim! Por que a esqueci? Uma luz para quando todas as outras luzes se apagarem! Realmente agora só a luz pode nos ajudar.
Lentamente aproximou a mão do peito, e devagar ergueu o Frasco de Galadriel. Por um momento ele tremeluziu, fraco como uma estrela que sobe, lutando contra as pesadas névoas caindo sobre a terra, e então, à medida que seu poder crescia e aumentava a esperança no coração de Frodo, começou a queimar e se acendeu numa chama de prata, um coração diminuto de luz ofuscante, como se o próprio Eãrendil tivesse descido dos altos caminhos do pôr-do-sol com a última Silmaril em sua fronte.
A escuridão se afastou do Frasco até que a luz pareceu brilhar no centro de um globo de cristal tênue, e a mão que o segurava coruscava com um fogo branco.
Frodo fitou assombrado aquele presente maravilhoso que havia carregado por tanto tempo, sem imaginar todo o seu valor e potência. Raras vezes se lembrara dele na estrada, até que chegaram ao Vale Morgul, e nunca o usara por medo de sua luz reveladora.
— Aiy a Eãrendil Elenion Ancalima! — gritou ele, sem saber o que tinha dito, pois parecia que outra voz falara através da sua, límpida, não molestada pelo ar pestilento da caverna.
Mas há outros poderes na Terra Média, forças da noite, que são antigas e poderosas. E aquela que andava na escuridão ouvira os elfos gritando aquele grito antigamente, nas profundezas do tempo, e não dera importância a ele, que também não a amedrontava agora. No momento em que Frodo falou, sentiu uma grande força maligna pesar sobre si, e um olhar mortal examinando a sua pessoa. Não muito distante no túnel, entre eles e a abertura onde tinham cambaleado e tropeçado, ele percebeu olhos ficando cada vez mais visíveis, dois grandes aglomerados de olhos com muitas janelas — a ameaça que se aproximava finalmente se desmascarou. A radiação da estrela de cristal se partiu naqueles milhares de facetas e foi lançada de volta, mas atrás do clarão um fogo pálido e mortal começou a brilhar fixo lá dentro, uma chama acesa em alguma escura caverna de pensamento maligno. Eram olhos monstruosos e abomináveis, bestiais e ao mesmo tempo cheios de propósito e de um prazer horrendo, exultando sobre suas vítimas, presas e sem qualquer esperança de escaparem.
Frodo e Sam, tomados de terror, começaram a recuar devagar, a própria vista presa do olhar terrível daqueles maléficos olhos; mas, conforme recuavam, os olhos avançavam. A mão de Frodo vacilou e lentamente o Frasco foi descendo.
Então, de repente, libertados do fascínio que os prendia a fim de que pudessem correr um pouco em pânico inútil, para o divertimento dos olhos, os dois se viraram e correram juntos; mas no momento em que arrancaram, Frodo se virou e viu aterrorizado que imediatamente os olhos começaram a persegui-los aos saltos. O odor de morte era como uma nuvem ao seu redor.
— Pare! Pare! — gritou ele desesperado. — Não adianta correr.
Lentamente os olhos se aproximaram.
— Galadriel! — chamou ele, e criando coragem ergueu o Frasco mais uma vez.
Os olhos pararam. Por um momento a expressão neles se abrandou, como se alguma sombra de dúvida os afligisse. Então o coração de Frodo ferveu dentro dele, e, sem pensar no que estava fazendo, se era loucura ou desespero ou coragem, ele pegou o Frasco com a mão esquerda, e com a direita puxou sua espada. Ferroada reluziu, e a afiada lâmina élfica faiscou na luz prateada, mas nas bordas adejava um fogo azul. Então, erguendo a estrela e brandindo a espada, Frodo, hobbit do Condado, deu passos firmes em direção aos olhos.
Os olhos vacilaram. Iam-se enchendo de dúvidas conforme a luz se aproximava. Um a um foram escurecendo, e devagar recuaram. Nenhum clarão tão mortal jamais os afligira antes. Do sol, da lua e das estrelas eles tinham estado a salvo no subterrâneo, mas agora uma estrela penetrara o próprio coração da terra. A luz ainda se aproximava, e os olhos começavam a enfraquecer.
Um a um todos se apagaram; viraram-se e um grande corpo, além do alcance da luz, içou sua enorme sombra no espaço escuro. Desapareceram.
— Mestre, mestre! — gritou Sam. Estava logo atrás, com sua espada em punho e preparada. — Estrelas e glória! Mas os elfos fariam uma canção sobre isso, se viessem a saber o que aconteceu aqui! E que eu possa viver para contar-lhes e escutá-los cantar. Mas não avance mais, mestre. Não desça naquele fosso. Agora é nossa única oportunidade. Vamos sair deste buraco imundo!
E assim viraram-se mais uma vez, primeiro andando, depois correndo; pois conforme avançavam o chão da caverna começou a subir vertiginosamente, e a cada passo eles ficavam mais acima dos fedores da toca invisível, e a força retomou aos corações e às pernas. Mas ainda o ódio da Vigia espreitava atrás deles, cego talvez por um período, mas não derrotado, ainda determinado a matar. E agora um sopro de ar veio ao encontro deles, frio e leve. A abertura, o fim do túnel, finalmente estava ali. Ofegantes, ansiando por um lugar descoberto, os hobbits se jogaram para a frente; então, surpresos, cambalearam e caíram para trás. A saída estava bloqueada por algum tipo de barreira, que não era feita de pedra: parecia macia e um pouco elástica, e ao mesmo tempo forte e impenetrável; o ar passava por ela, mas não se via qualquer sinal de luz. Mais uma vez avançaram e foram arremessados para trás. Erguendo o Frasco, Frodo olhou e viu à sua frente algo cinzento que a radiação da estrela de cristal não atravessava e não iluminava, como se fosse uma sombra que, não sendo projetada por luz alguma, nenhuma luz podia dissipar.
Cruzando a extensão horizontal e vertical do túnel, uma grande teia fora tecida, metodicamente como a teia de uma enorme aranha, mas com uma textura mais densa e muito maior, e cada fio era grosso como uma corda.
Sam riu de modo sinistro.
— Teias de aranha! — disse ele. — Isso é tudo? Mas que aranha! Vamos a elas, acabemos com elas!
Num acesso de fúria, golpeou as teias com sua espada, mas o fio atingido não se quebrou. Cedeu um pouco e depois saltou de volta como a corda esticada de um arco, desviando a lâmina e empurrando para o alto tanto a espada quanto o braço. Três vezes Sam golpeou com toda a sua força, e finalmente uma única entre as inúmeras cordas se partiu e se torceu, enrolando-se e chicoteando o ar.
Uma extremidade açoitou a mão de Sam, que gritou de dor, recuando e levando a mão à boca.
— Vai levar dias até que consigamos abrir caminho desse jeito — disse ele. — Que devemos fazer? Aqueles olhos retornaram?
— Não que eu tenha visto — disse Frodo. — Mas ainda sinto que estão me observando, ou pensando em mim: fazendo algum outro plano, talvez. Se essa luz diminuísse, ou se falhasse, logo eles voltariam.
— Sem saída, no fim! — disse Sam num tom amargo, com o ódio subindo de novo acima do cansaço e do desespero. — Moscas numa teia. Que a praga de Faramir pegue aquele Golum, e pegue depressa!
— Isso não nos ajudaria em nada — disse Frodo. — Venha! Vamos ver o que Ferroada pode fazer. É uma lâmina élfica. Havia teias de horror nos abismos escuros de Beleriand onde foi forjada. Mas você deve ser o vigia e afastar os olhos. Aqui, pegue a estrela de cristal. Não tenha medo. Segure bem alto e fique atento!
Então Frodo se aproximou da grande teia cinzenta, e a atacou com um grande golpe de espada, forçando a borda afiada através de uma rede de cordas firmemente tecida, e imediatamente saltou para trás. Com seu brilho azulado a lâmina cortou os fios como uma foice corta a grama, e eles recuaram e se retorceram, e depois ficaram soltos. Um grande rasgo fora feito.
Golpe a golpe foi trabalhando, até que finalmente toda a teia ao seu alcance estava despedaçada, e a parte superior ficou esvoaçando e balançando no vento que entrava. A armadilha estava desfeita.
— Venha! — gritou Frodo. — Vamos! Vamos!
De súbito sua mente se encheu de uma alegria alucinada por terem conseguido escapar exatamente na beira do desespero. A cabeça do hobbit girava como se estivesse sob o efeito de um vinho possante. Deu um salto, e gritou conforme saltava.
Aquele lugar escuro parecia claro para seus olhos, que tinham passado pelo fosso da noite. A grande concentração de fumaça tinha subido e ficado mais tênue, e as últimas horas de um dia sombrio estavam terminando; o brilho vermelho de Mordor tinha se extinguido numa escuridão melancólica. Mas Frodo tinha a impressão de estar olhando para uma manhã de súbita esperança. Tinha quase atingido o topo da muralha. Só tinha de subir mais um pouco. A Fenda, Cirith Ungol, estava diante dele, um desfiladeiro escuro na cordilheira negra, e os chifres de pedra escurecendo no céu dos dois lados. Uma pequena corrida, uma corrida de curta distância, e ele teria atravessado!
— A passagem, Sam — gritou ele, sem dar atenção ao tom agudo de sua voz, que, liberta dos ares sufocantes do túnel, agora ecoava alta e forte. — A passagem! Corra, corra, e conseguiremos passar – passar antes que alguém possa nos impedir!
Sam veio atrás com a maior velocidade que conseguiu imprimir às suas pernas; mas mesmo estando alegre por estar livre, sentia-se inquieto, e, enquanto corria, repetidas vezes olhava para trás, na direção do arco escuro do túnel, temendo ver olhos, ou algum vulto além de sua imaginação, saltarem em perseguição.


Sam e seu mestre sabiam muito pouco sobre a astúcia de Laracna. Ela tinha muitas saídas de sua toca. Ali morara por muitas eras um ser mau na forma de uma aranha, semelhante àqueles que tinham outrora vivido na Terra dos elfos no oeste, que jaz agora sob o Mar, semelhante àqueles contra os quais Beren lutara nas Montanhas de Terror em Doriath, e assim encontrou Lúthien sobre a verde relva em meio às cicutas sob o luar, há muito tempo. Como Laracna chegara ali, fugindo da ruína, ninguém sabe, pois dos Anos Escuros poucas histórias restaram. Mas ela ainda estava lá, ela que chegara antes de Sauron, e antes da primeira pedra de Baraddûr; nunca servira a ninguém a não ser a si própria, bebendo o sangue de elfos e homens, intumescida e gorda, remoendo sem cessar seus banquetes, tecendo teias de sombra; pois todos os seres vivos eram sua comida, e seu vômito a escuridão. Por toda a volta suas crias menores, bastardos dos companheiros miseráveis, seus próprios filhos que ela matava, espalharam-se de vale em vale, das Ephel Dúath até as colinas do leste, até Doí Guldur e as fortalezas da Floresta das Trevas. Mas nenhuma se comparava a ela, Laracna, a Grande, última filha de Ungoliant a importunar o mundo infeliz.
Golum, anos antes, já a vira, Sméagol que penetrava todos os buracos escuros, e em dias passados se curvara diante dela em adoração, e a escuridão de sua vontade maligna o acompanhara através de todos os caminhos de sua fadiga, isolando-o da luz e do arrependimento. E ele lhe prometera trazer comida.
Mas a ganância dela não era a dele. Ela pouco sabia e não se preocupava com torres ou anéis ou qualquer coisa criada por mentes ou mãos, ela que só desejava a morte para todos os outros, mentes e corpos, e para si mesma uma fartação de vida, solitária, inchada até que as montanhas não mais conseguissem abrigá-la, até que a escuridão não a pudesse conter. Mas esse desejo estava muito distante, e havia muito tempo ela estava faminta, espreitando no seu covil, enquanto o poder de Sauron crescia, e a luz e os seres vivos abandonavam suas fronteiras, e a cidade no vale ficou morta, e nenhum elfo ou homem se aproximava, apenas os infelizes orcs. Comida ruim e arisca. Mas ela precisava comer, e, por mais que se empenhassem em cavar novos caminhos sinuosos que vinham da passagem e de sua torre, ela sempre achava um modo de enganá-los.
Mas ela desejava carne mais tenra. E Golum lhe trouxera.
— Veremos, veremos — ele sempre dizia a si mesmo, quando a disposição maligna o atacava, quando andava nas estradas perigosas que vinham das Emyn Muil para o vale Morgul — vamos ver. Pode muito bem ser, sim, pode muito bem ser que, quando Ela jogar fora os ossos e as vestes vazias, nós possamos encontrá-lo, e vamos pegá-lo, o Precioso, uma recompensa para o pobre Sméagol, que traz comida boazinha. E vamos salvar o Precioso, como prometemos. É sim. E, quando o tivermos a salvo, então Ela vai ficar sabendo, é sim, e então vamos dar-lhe o troco, meu precioso. Então vamos dar o troco a todo o mundo!
Assim pensava num canto escondido de sua mente, que ele ainda tinha esperança de esconder dela, mesmo quando viera até ela de novo e lhe fizera uma grande reverência, enquanto seus companheiros dormiam. Quanto a Sauron, ele sabia onde ela estava entocada. Prezava a ideia de tê-la morando lá, faminta mas não diminuída em malícia, uma sentinela mais eficiente daquela passagem antiga para suas terras que qualquer outra que seu talento poderia ter criado. E os orcs eram escravos úteis, mas ele os tinha em abundância. Se de vez em quando Laracna capturasse algum para amenizar seu apetite, era bem-vinda: Sauron podia dispor deles. E algumas vezes, como um homem pode jogar uma guloseima para sua gata (chama-a de minha gata, mas ela não é dele), Sauron costumava enviar-lhe prisioneiros para os quais não tinha melhores usos: ordenava que fossem conduzidos até a toca, e que lhe fossem trazidos relatórios das brincadeiras que ela aprontava.
Assim viviam ambos, deliciando-se com as próprias tramoias, sem temer ataque ou ira ou o fim de suas maldades. Nunca jamais qualquer mosca escapara das teias de Laracna, e sua fome e sua ira estavam agora maiores do que nunca.
Mas o pobre Sam nada sabia desse mal preparado para eles, a não ser por um medo que crescia dentro dele, uma ameaça que não conseguia ver, e que se transformou num peso tão grande que ele tinha dificuldades para correr, e seus pés pareciam de chumbo. O terror estava ao seu redor, e havia inimigos diante dele na passagem, e seu mestre estava numa disposição desvairada, correndo descuidadamente na direção deles. Desviando os olhos da sombra atrás, e da profunda escuridão abaixo do penhasco à esquerda, Sam olhou para a frente, e viu duas coisas que aumentaram seu desânimo. Viu que a espada que Frodo ainda segurava nas mãos estava emitindo uma chama azul, e viu que, embora o céu atrás dele agora estivesse escuro, ainda a janela na torre emanava um brilho vermelho.
— Orcs! — murmurou ele. — Nunca vamos conseguir deste jeito. Há orcs à solta, e coisas piores que orcs.
Então, voltando rapidamente ao seu antigo hábito de agir em segredo, fechou a mão em volta do precioso Frasco, que ainda carregava. Por um momento sua mão brilhou com seu próprio sangue vivo, e então ele colocou a luz reveladora num bolso junto ao peito e cobriu-se com a capa élfica. Tentava agora apressar o passo. Seu mestre estava se distanciando dele; já estava uns vinte passos adiante, deslizando como uma sombra; logo se perderia de vista naquele mundo cinzento.
Sam mal tinha escondido a luz da estrela de cristal quando ela veio. Um pouco à frente e à esquerda ele a viu, saindo de um buraco negro de sombra sob o penhasco, a forma mais odiosa que ele jamais vira, horrível além do horror de um pesadelo. Era muito semelhante a uma aranha, mas maior que as grandes feras caçadoras, e mais terrível que elas por causa do propósito maligno em seus olhos sem remorso. Os mesmos olhos que ele pensava estarem derrotados e vencidos acendiam-se outra vez numa luz cruel, agrupados em sua cabeça protuberante. Tinha grandes chifres, e atrás de seu curto pescoço em forma de haste estava um enorme corpo inchado, um vasto saco intumescido, balançando e caído por entre as pernas o tronco era preto, manchado com marcas lívidas, mas a barriga embaixo era clara e luminosa, exalando um cheiro ruim. As pernas eram curvas, com grandes juntas nodosas bem acima de suas costas, e tinha pelos espetados como espinhos de aço, e na extremidade de cada perna havia uma garra. Assim que, apertando o corpo mole e pesado e dobrando as pernas, ela saiu pela abertura superior de sua toca, moveu-se a uma terrível velocidade, ora correndo sobre suas pernas rangentes, ora dando um salto repentino. Estava entre Sam e seu mestre. Ou não estava enxergando Sam ou o evitava naquele momento por ser ele o portador da luz, e fixava toda a sua atenção em uma presa, em Frodo, privado de seu Frasco, correndo descuidadamente pela trilha, inconsciente ainda do perigo que o ameaçava. Ele corria rápido, mas Laracna era mais rápida; em alguns saltos poderia capturá-lo.
Sam respirou fundo e reuniu todo o fôlego que lhe restava para gritar.
— Cuidado atrás! — berrou ele. — Cuidado, mestre! Eu... — mas de repente seu grito foi emudecido.
Uma longa mão pegajosa cobriu-lhe a boca e uma outra o pegou pelo pescoço, enquanto alguma coisa se enrolava em torno de sua perna. Pego de surpresa, ele tombou para trás e caiu nos braços de quem o atacara.
— Pegamos ele! — chiou Golum ao seu ouvido. — Finalmente, meu precioso, nós pegamos ele, é sim, o hobbit malvado. Nós fica com este. Ela fica com o outro. E sim, Laracna vai pegar ele, não Sméagol: ele prometeu; não vai machucar o Mestre de jeito nenhum. Mas ele pegou você, seu nojento, malvado, hobbitzinho ssafado!
Golum cuspiu no pescoço de Sam.
A fúria diante da traição e o desespero em ser detido quando seu mestre corria um perigo mortal deram a Sam uma repentina violência e uma força que estava além de qualquer coisa que Golum tinha esperado daquele hobbit que considerava parvo e estúpido. Nem mesmo o próprio Golum poderia ter-se virado com maior rapidez ou força. A mão que cobria a boca de Sam escorregou, e Sam se abaixou e se jogou para a frente de novo, tentando se livrar da outra mão que lhe agarrava o pescoço. A mão direita ainda segurava a espada, e no braço esquerdo, pendurado pela correia, estava o cajado de Faramir.
Desesperadamente tentou se virar e apunhalar o inimigo. Mas Golum foi rápido demais. Arremessou seu comprido braço direito, e agarrou o pulso de Sam: os dedos eram como um torno; lenta e inexoravelmente ele puxou a mão para baixo e para a frente, até que com um grito de dor Sam soltou a espada, que caiu no chão; e todo o tempo a outra mão de Golum estava apertando o pescoço de Sam.
Então Sam tentou seu último truque. Com toda a força desvencilhou-se e firmou bem os pés; então, de repente, dobrou as pernas contra o chão e com toda a força que tinha jogou-se para trás.
Sem esperar nem mesmo esse simples truque de Sam, Golum desequilibrou-se e foi ao chão com Sam em cima dele, recebendo o peso do robusto hobbit em seu estômago. Soltou um chiado agudo, e por um segundo a mão soltou a garganta de Sam; mas seus dedos ainda agarravam a mão da espada. Sam se jogou para a frente e para o lado e ficou de pé, e então rapidamente rodopiou à direita, em torno do pulso que Golum segurava. Pegando o cajado com a mão esquerda, Sam o ergueu e o fez descer assobiando e estalando sobre o braço esticado de Golum, logo abaixo do cotovelo.
Com um grito Golum soltou o braço de Sam, que então fez seu serviço; sem perder tempo mudando o cajado da mão esquerda para a direita, deu um outro golpe forte. Rápido como uma cobra, Golum deslizou para o lado, e o golpe destinado à cabeça atingiu-o nas costas. O cajado rachou e se partiu.
Isso foi o suficiente para ele. Agarrar por trás era um velho jogo seu, no qual ele raramente falhava. Mas dessa vez, iludido pelo ódio, cometera o erro de falar e se gabar antes de ter as duas mãos sobre o pescoço de sua vítima. Tudo dera errado com seu belo plano, desde que aquela luz horrível tinha tão inesperadamente aparecido na escuridão. Agora estava cara a cara com um inimigo furioso, quase do seu tamanho.
Essa luta não era para ele. Sam pegou a espada do chão e a ergueu. Golum soltou um grito agudo, pulou para o lado e, ficando de quatro, fugiu num grande pulo, como uma rã. Antes que Sam pudesse agarrá-lo, já estava longe, correndo numa velocidade assustadora na direção do túnel.
Com a espada na mão, Sam correu atrás dele. Naquele momento se esquecera de tudo a não ser da louca fúria em sua mente e do desejo de matar Golum.
Mas, antes que pudesse alcançá-lo, Golum se fora. Então, quando o buraco escuro apareceu-lhe à frente e o fedor veio em sua direção, como o explodir de um trovão o pensamento de Frodo e do monstro abateu-se sobre a mente de Sam.
Deu um giro e correu alucinadamente pela trilha, chamando e chamando o nome de seu mestre. Era tarde demais. Até ali, o plano de Golum dera certo.